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Aventuras em Lisboa com a avó
Se existem pessoas a quem devemos muito a nossa existência, é aos nossos avôs, e todos os outros avôs, e avôs... antes deles. Mas nunca nos queremos lembrar disso quando os nossos pais nos encomendam a tarefa de os levar à consulta para uma das mil e quinhentas maleitas que eles têm todos (ou a esmagadora maioria).
Hoje levei a minha avó a uma consulta de oftalmologia para diabéticos em Lisboa. Começou mal. Eixo Norte-Sul e Viaduto Duarte Pacheco engarrafados: éramos para lá estar às 8h30, só chegamos às 9h30. Depois não havia estacionamento. Às vezes penso: Bolas, até nestes lugares mal amanhados, a subir e a descer, na bela da calçada portuguesa, a EMEL põe parquímetros. A EMEL domina, e a gente verga. Mas como não havia estacionamento, estacionei no parque subterrâneo de um hotel (só depois vi que era cinco estrelas), por que: que se lixe, estamos atrasadas, a avó não anda muito, e ela é que paga.
Estávamos atrasadas, mas ficámos até ao meio-dia para sermos atendidas. Mesmo à portuguesa.
- A sua avó foi operada aos dois olhos? - pergunta a técnica.
- Não sei... - Ai bolas, que vergonha - Avó, já foi operada?
- Hã...? - pergunta ela. Ela é surda.
- JÁ FOI OPERADA AVÓ?
- Não... Não me lembro - responde ela toda baralhada.
- Não se LEMBRA?
- Deixe estar, vou pôr aqui que sim - diz a técnica com desprezo.
- Eu não passo muito tempo com ela, sabe. Ela tem muitos filhos e muitos netos. Mas tenho quase a certeza que sim, ela até tem estado a pôr gotinhas...
- Isso não tem nada a ver. Gotinhas podem ser para muitas coisas... - diz ela com desprezo.
- Mas olhe que é de corticosteróide e antibiótico.
- Hum... Então pode ser, sim.
- Mãe! A avó não se lembra que foi operada - digo eu por telefone à minha mãe.
- Então não foi?! Ao olho direito. Já só falta o esquerdo.
- Bom dia! Olhe, a minha avó não se lembra ter sido operada! - digo eu à médica.
- Ah! É bom sinal, é sinal que não ficou traumatizada! - responde a médica.
No fim, precisámos de comer qualquer coisa a jeito de almoço. Mas ela não anda grande coisa, e não havia pastelaria nenhuma ali perto. Quero lá saber, comemos uma sopa no hotel, por que a avô é que paga. Ah espera, se calhar não chega... Paciência, pago eu, ela também me levava à praia, e fazia batatas fritas de propósito para mim quando eu era pequena. Quero ir para casa rápido.
- Boa tarde! Servem uma sopinha para mim e para a minha avó?
- Sim sim! - responde o empregado, com um ar de pena risonha, a olhar para o nosso retrato de avó e neta, como se fossemos gente rude do campo. - A sopa do dia é creme de ervilhas com camarões salteados...
- Pode ser!
- ... mas temos sempre sopa de legumes ou creme de marisco, se preferir.
- Não, pode ser a do dia mesmo. - Oh espera, eu não gosto de ervilhas! Pode ser que todas trituradas, e mexidas com coisas, saiba bem. Caraças, ainda vou pagar uma fortuna por uma sopa que não vou gostar de comer. Bem, agora já está. Paciência. - Estas situações fazem-me sempre tomar decisões parvas.
Enquanto comia a sopa, pensava: Fogo isto está mesmo bom... Uma vez, a minha irmã pagou quase 50€ por um frango num sítio sem jeito nenhum. Aqui nem quero imaginar quanto será uma sopa, aliás, duas... Não penses. Come. Oh coitadinha da avó: isto tem talheres a mais. No fim, o empregado até nos ofereceu dois mini pastéis de nata e tudo (eu que ela é diabética, mas não a deixar comê-lo, era cruel). Chega a conta final do almoço: 8,50€. Podia ser a brincar, mas com toda a seriedade, confesso que olhei para a conta à procura de onde estivesse escrito algures: desconto de idoso.
De uma já nos tínhamos safado, agora faltava o parque, que era o que me preocupava mais. Uma vez, no parque da EMEL nos Restauradores, paguei quase 20€ por 3 horas à noite. Onde é que se paga? Não encontrei nenhuma daquelas caixas automáticas, então fui para a saída, e carreguei no botão das informações. Começou a fazer barulho como se fosse de uma chamada telefónica, mas ninguém falou. Logo a seguir, leio no écran: Abertura remota da cancela (ou algo parecido). Não...
Toma lá EMEL!... *Mic drop*
Nicas