Vim pela primeira vez cá a Inglaterra exactamente na altura de me formalizar membro do Royal College of Veterinary Surgeons. Não é assim tão pomposo como parece, e nem é assim tão difícil de entrar, mas este britânicos fazem questão de dar às coisas sempre um je ne sais quoi para tornar a coisa epicamente palerma. Ora pois então nesse dia tornei-me Miss (Dra.) V Santos, DVM, OMV, MRCVS (só falta o PhD, talvez um dia, ou talvez não). Também tenho o MSc, mas eles cá não reconhecem os nossos mestrados integrados. Não que isso seja importante, posso trabalhar cá e isso é que interessa. Só é chato porque no fundo é uma maneira pomposa de nos fazer pagar para poder trabalhar. Não se enganem, é mesmo. Sem sobra de dúvida.
Trazia comigo as poupanças de uma vida. Mind you, 800 euros. Ridículo... Eu sei. Mas serviu para o que foi preciso, e quando meti esse dinheiro todo na conta à ordem, já me sentia uma mulherzinha crescida, e durante os meses antes de receber o meu primeiro ordenado, não precisei de grande ajuda. Hoje em dia, só peço o essencial troco com a desculpa mais do que compreensível: Mãe, não tenho euros... E agora já posso começar a poupar a sério.
Admiro mesmo aquelas pessoas que conseguem poupar largas somas enquanto estão a estudar. Bem, pensado bem, eu também tinha conseguido, mas houve algumas coisas caras de que precisei e fui lá buscar dinheiro: o meu computador, viagem para a Alemanha, os 3 meses de renda adiantada da minha casa na Bélgica... Não está mal. Eu não preciso de muito dinheiro.
Onde é que eu ia? AH! Londres.
Quando estive em Londres para a reunião com o RCVS fiquei em casa de um casal de amigos do grupo de amigos do meu cunhado. Eles são impecáveis. Ela é mesmo simpática, mas ele tinha-me uma dívida antiga, por me ter atirado com uma pinha à cabeça há uns anos quando fomos acampar a Sines. Não que fosse preciso dar-me alojamento e comida por 3 dias. Tinha ficado contente com um KitKat ou assim. Impec.
Quando cheguei lá a Camden, nenhum deles estava em casa. E uma coisa muito importante estava em falta: Wi-fi. Eu de hacker não tenho nada, mesmo assim afinquei-me ali a tentar rouba a net aos vizinhos, e usar os poucos dados de roming que podia utilizar. Mas desisti.
Eu não sou uma pessoa muito dado ao descaramento. No entanto, se houve coisa que eu aprendi por andar a vadiar tanto, é que o que é necessário tem muita força, e às vezes a gente tem mesmo de pedir ajuda:
Antes de entrar em casa, ouvi música a passar pela porta do apartamento ao lado. Ou seja, havia gente em casa. Na lista das nets que estava a tentar 'assaltar' havia uma particularmente forte. Só podia vir daquela casa. Após muito refletir sobre todas a decisões que tomei na minha vida, e o quão erradas ou certas foram, respirei fundo e bati à porta da vizinha. Uma senhora simpática saiu de lá e eu digo: This is really embarrassing, but I will be here at my friend's place for a few days and the internet isn't working. I was wondering if you could let me borrow the wi-fi password...
Ela pareceu desconfiada, mas depois de eu lhe garantir que era só para mim, e que de facto eles têm um router, mas que não funcionava, ela deu-me o cartãozinho com a pass, e eu safei-me o resto dos dias que estive lá. Incluindo a minha amiga que depois chegou (pronto, não foi só para mim, mas foi inofensivo porque ela é boa pessoa, já lá voltei entretanto e obviamente eles já tem a net deles).
Esta história deu aso a muitos mitos urbanos contados pelos conhecedores da história, sendo uma das punchlines: Vocês acham que ela é envergonhada, mas ela fez uma coisa que me deixou espantada. No próprio dia contei no grupo do Blá-blá-blás (aka Jovem comissão de festas do Lugar da Estrada) que admitiram que nunca teriam tido coragem de fazer tal coisa. Pois bem, na minha cabeça, pelo menos, é uma história com 'tomates' mas pouco mais do que isso.
Antes de me ir embora para Southampton (aquela que haveria de ser a pior entrevista da minha vida), comprei uma caixa de chocolates como agradecimento. Escrevi um bilhete e tudo e pendurei na porta dela. Mas quando me virei novamente, reparei que tinha um erro ortográfico. Trouxe de volta para casa, e corrigi o erro. Mesmo quando estava a pendurar o saco de novo, a senhora abriu a porta. Isso sim foi embaraçoso. Acho que ela ficou um bocadinho emocionada e tudo.
Ps. Julgo que a vizinha também era emigras... Talvez espanhola?
Nicas