terça-feira, fevereiro 21, 2017

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sábado, fevereiro 18, 2017

Faking Confidence

Uma percentagem considerável da minha profissão, diria cerca de 70%, sem estar a exagerar, consiste em fingir confiança. Desenganem-se se pensarem que os veterinários são muito inteligentes porque têm de saber muitas coisas sobre muitas espécies, e os animais não se queixam. Acho que todos nós veterinários partilhamos um sorriso duvidoso quando ouvimos isso. Diria que cerca de 80% das vezes a gente não faz ideia do que está a acontecer. Ah e tal o meu cão anda a vomitar muito ultimamente!... Gastrite aguda? Ah camandro! Já lhe andou a dar docinhos. Olhamos para o cão que é um potezinho trazido por uma velhota. Malvada vida. Uma injecçãozinha de maropitant? Vá! Mal não lhe vai fazer. Eu também já cá precisava de uma.

Ontem foi o pináculo: 

Fiquei aqui o dia a dar consultas. Chegou um pastor alemão que ficou muito mal-disposto durante a noite, e não tem vontade de fazer nada - Letárgico. Abdomém doloroso. Raio-X... Cavidade abdominal? Nada. O quê? Cardiomegália?! Ultrassonografia (agarrei naquilo, e consegui usá-lo): era o coração a bater dentro de uma bolha, assim muito basicamente. Hemangiossarcoma? Efusão no pericárdio, precisa de Pericardiocentese! Nunca fiz uma! Não há mais ninguém para fazer. As enfermeiras, até as mais velhas, todas desorientadas. Vanessa! Concentra-te! Patrão ao telefone: Eu não vou aí, é o meu dia de folga (ah a sério? não me diga) faz (isto e aquilo), and don't panic! Eu repondi-lhe: I'm not panicking, it's just: I've never done it before... I will give it a try. Ah pois andaram a dizer-lhe que eu entro muito em pânico - bitchs. Zona aséptica, agulha de 18G no 5º espaço intercostal junto à junção costocondral: E foi ver sangue vivo a sair e a entrar para dentro da seringa - 100 ml (Não coagulou não, acham o quê? Que acertei mesmo no coração?... (Podia ter acertado.. Mas) não!). Ele devia fica melhor: Não ficou. Ultrassografia: Efusão na capsula do rim direito, e uma massa de eco textura anormal - A pressão foi toda para lá. Dava para ver nos raios-x, uma espécie de quisto e uma de hérnia do espaço retroperitoneal para o mediastino. Isto está descrito? Mas achei que o coração era mais importante para estabilizá-lo. Nefrocentese? É assim que se diz? 15 ml. Hemangiossarcoma?! Os donos vieram... Eutanasia. Fuck.

Entretanto havia uma ovelha, que tinha sido atacada por animal selvagem. Era suposto eu ir vê-la na quinta, e tratar da ferida lá. Mas estávamos tão ocupados que tiveram de ser eles a trazê-la na carrinha. A ferida era tão grande, que se viam as tripas do outro lado. Tinha energia suficiente para fugir de mim - Já não é mau. Então ali de cócoras, fiz anestesia local, cortei o tecido morto, explorei bem a zona, e suturei tudo por camadinhas. No fim até fiz uma intradérmica só para ficar mais higiénico, porque pronto, é uma ovelha, não vem cá tirar os pontos... Se paniquei quando vi aqui? Pois é claro! Eu não sei como é que o bicho ainda nem tinha morrido. Deixar passar que não sabia o que havia de fazer? Não! Fingir confiança. 

Faking confidence, these brits will never know...

Nicas

Wi-Fi aka 'Uifi'

Vim pela primeira vez cá a Inglaterra exactamente na altura de me formalizar membro do Royal College of Veterinary Surgeons. Não é assim tão pomposo como parece, e nem é assim tão difícil de entrar, mas este britânicos fazem questão de dar às coisas sempre um je ne sais quoi para tornar a coisa epicamente palerma. Ora pois então nesse dia tornei-me Miss (Dra.) V Santos, DVM, OMV, MRCVS (só falta o PhD, talvez um dia, ou talvez não). Também tenho o MSc, mas eles cá não reconhecem os nossos mestrados integrados. Não que isso seja importante, posso trabalhar cá e isso é que interessa. Só é chato porque no fundo é uma maneira pomposa de nos fazer pagar para poder trabalhar. Não se enganem, é mesmo. Sem sobra de dúvida.


Trazia comigo as poupanças de uma vida. Mind you, 800 euros. Ridículo... Eu sei. Mas serviu para o que foi preciso, e quando meti esse dinheiro todo na conta à ordem, já me sentia uma mulherzinha crescida, e durante os meses antes de receber o meu primeiro ordenado, não precisei de grande ajuda. Hoje em dia, só peço o essencial troco com a desculpa mais do que compreensível: Mãe, não tenho euros... E agora já posso começar a poupar a sério.

Admiro mesmo aquelas pessoas que conseguem poupar largas somas enquanto estão a estudar. Bem, pensado bem, eu também tinha conseguido, mas houve algumas coisas caras de que precisei e fui lá buscar dinheiro: o meu computador, viagem para a Alemanha, os 3 meses de renda adiantada da minha casa na Bélgica... Não está mal. Eu não preciso de muito dinheiro.

Onde é que eu ia? AH! Londres.

Quando estive em Londres para a reunião com o RCVS fiquei em casa de um casal de amigos do grupo de amigos do meu cunhado. Eles são impecáveis. Ela é mesmo simpática, mas ele tinha-me uma dívida antiga, por me ter atirado com uma pinha à cabeça há uns anos quando fomos acampar a Sines. Não que fosse preciso dar-me alojamento e comida por 3 dias. Tinha ficado contente com um KitKat ou assim. Impec.

Quando cheguei lá a Camden, nenhum deles estava em casa. E uma coisa muito importante estava em falta: Wi-fi. Eu de hacker não tenho nada, mesmo assim afinquei-me ali a tentar rouba a net aos vizinhos, e usar os poucos dados de roming que podia utilizar. Mas desisti.

Eu não sou uma pessoa muito dado ao descaramento. No entanto, se houve coisa que eu aprendi por andar a vadiar tanto, é que o que é necessário tem muita força, e às vezes a gente tem mesmo de pedir ajuda:

Antes de entrar em casa, ouvi música a passar pela porta do apartamento ao lado. Ou seja, havia gente em casa. Na lista das nets que estava a tentar 'assaltar' havia uma particularmente forte. Só podia vir daquela casa. Após muito refletir sobre todas a decisões que tomei na minha vida, e o quão erradas ou certas foram, respirei fundo e bati à porta da vizinha. Uma senhora simpática saiu de lá e eu digo: This is really embarrassing, but I will be here at my friend's place for a few days and the internet isn't working. I was wondering if you could let me borrow the wi-fi password...

Ela pareceu desconfiada, mas depois de eu lhe garantir que era só para mim, e que de facto eles têm um router, mas que não funcionava, ela deu-me o cartãozinho com a pass, e eu safei-me o resto dos dias que estive lá. Incluindo a minha amiga que depois chegou (pronto, não foi só para mim, mas foi inofensivo porque ela é boa pessoa, já lá voltei entretanto e obviamente eles já tem a net deles).

Esta história deu aso a muitos mitos urbanos contados pelos conhecedores da história, sendo uma das punchlines: Vocês acham que ela é envergonhada, mas ela fez uma coisa que me deixou espantada. No próprio dia contei no grupo do Blá-blá-blás (aka Jovem comissão de festas do Lugar da Estrada) que admitiram que nunca teriam tido coragem de fazer tal coisa. Pois bem, na minha cabeça, pelo menos, é uma história com 'tomates' mas pouco mais do que isso.

Antes de me ir embora para Southampton (aquela que haveria de ser a pior entrevista da minha vida), comprei uma caixa de chocolates como agradecimento. Escrevi um bilhete e tudo e pendurei na porta dela. Mas quando me virei novamente, reparei que tinha um erro ortográfico. Trouxe de volta para casa, e corrigi o erro. Mesmo quando estava a pendurar o saco de novo, a senhora abriu a porta. Isso sim foi embaraçoso. Acho que ela ficou um bocadinho emocionada e tudo.


Ps. Julgo que a vizinha também era emigras... Talvez espanhola?

Nicas




The UK Border



Não aconteceu. Não fiquei a viver em casa dos meus pais, nem a fazer estágio profissional. Sou uma emigras agora! Vim para Inglaterra, um velho clichet que não paga mal, e permite deixar os meus pais descansados de que não lhe preciso de pedir dinheiro tão cedo. Continuam a trabalhar o mesmo. Pensavam que se desfazendo de mim como encargo iam começar a trabalhar menos. Bem, também não aconteceu. Continuam a trabalhar o mesmo. A minha mãe diz: O teu pai já se podia reformar porque tem os anos todos de descontos. Mas eu preciso dele!

Vistas bem as coisas, estou a começar a perceber a frustração da minha irmã. Ela diz que sou muito dramática. Diz que se tenho o problema, reajo sempre como se fosse o fim do Mundo e tudo vai correr mal, mas que depois no fim vou ter com ela e digo que está tudo bem. Ela fica mesmo irritada.

Desde que vim visitar isto no final de Outubro, e comecei a trabalhar aqui em Dezembro, muitas coisas aconteceram, muitos episódios e histórias por contar. No entanto, não houve tempo para escrever. Mas estou aqui agora com algum tempo (e algum aborrecimento) para escrever algumas coisas.

Nicas
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